domingo, 30 de janeiro de 2011

Morphnus guianensis

Uma breve história da espécie

A espécie Morphnus guianensis, conhecida como uiraçu-falso ou gavião-real-falso (nome adotado no Brasil pelo CBRO – Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos), foi descrita em 1800, por Daudim como Falco guianensis e, chamado em francês de Petit Aigle de La Guiane.






Figura 1 – Uma vista lateral e e outra ventral do M. guianensis. As fêmeas são maiores que os machos; uma fêmea adulta pode medir até 90 cm de altura e, mais de 160 cm de envergadura. http://darnis.inbio.ac.cr/ubisen/FMPro?-DB=UBIPUB.fp3&-lay=WebAll&-error=norec.html&-Format=detail.html&-Op=eq&id=2962&-Find


A Subfamília
Brown & Amadon delimitaram em 1968 a família Harpiinae. Segundo os autores, os membros dessa família poderiam ser distinguidos das demais águias pelas grandes proporções em peso, onde algumas fêmeas podem chegar a nove quilos, e em comprimento das asas, que podem ultrapassar dois metros de envergadura. São espécies tradicionalmente habitantes de florestas tropicais úmidas, consumindo normalmente mamíferos de médio porte, como macacos, marsupiais, roedores e preguiças (Fergusson-Lees et al., 2001).
  O gavião-real-falso ou uiraçu-falso, Morphnus guianensis e a harpia, Harpia harpyja (Linneau, 1758), são os representantes Neotropicais da subfamília e, no Velho Mundo, encontramos a águia-philipina (Pithecophaga jeoffreyi, Ogilvie-Grant, 1897) e a harpia da Nova-Guiné (Harpyopsis novaeguineae, Salvadori, 1875). 


Figura 3 – Os quatro membros da família Harpiinae: o uiraçu-falso, a harpia, a harpia da Nova-guiné e a águia-filipina. Adaptação da figura obtida em  http://tieba.baidu.com/f?kz=97717735

      Segundo Amadon & Bull (1988) o gênero Morphnus é insuficientemente distinto do gênero Harpia, fato reafirmado por meio de estudos moleculares de Helbig et al. (2005), que sugeriram a manutenção de Morphnus como um gênero distinto de Harpia injustificável.
Lerner & Mindell (2005), com base em um intron nuclear e duas seqüências de genes mitocondriais (odeio genética...rs) sugere que Morphnus, Harpia e Harpyopsis são muito similares e formam um clado bem definido, enquanto que Pithecophaga seria um clado irmão das snake eagles (Circaetinae).         
Dentre todas as grandes águias do Brasil, o uiraçu-falso é o menos conhecido. Além da harpia, as demais grandes águias são:
Gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus, Daudin, 1800);
Gavião-pato (S. melanoleucus, Vieillot, 1816)
Gavião-pega-macaco (S. tyrannus, Wied, 1820)
Águia-chilena (Buteo melanoleucus Vieillot, 1819)
Águia-cinzenta (Harpyhaliaetus coronatus Vieillot, 1817).
Gavião-preto (Urubitinga urubitinga).
  
De acordo com a literatura, espécimes de M. guianensis medem até 89 cm de comprimento, com asas variando até 45 cm de extensão e pesando até 3 quilos. As fêmeas são maiores e mais robustas que os machos, fato que é comum aos falconiformes (águias, falcões, gaviões). Na cabeça, esbranquiçada ou acinzentada, apresentam penacho escuro, com uma única pena negra medial maior, diferenciando-o da Harpia harpyja, com duas penas (ou cornos, Sick, 1997).
Apresenta-se comumente na fase clara (pale-morph), podendo apresentar dois diferentes padrões melânicos (dark-morph e extreme-dark-morph). Todos estes morfos apresentam variações de “tonalidades” de acordo com a idade e o período de desenvolvimento, em juvenil, de 2º ano, de 3º ano (Fergusson-Lees & Christie, 2001). O padrão melânico, pouco comum, foi inicialmente descrito como espécie distinta por Gurney (1879), sendo desconsiderada posteriormente.  Apresentam-se quase totalmente negros, ponteado de branco, e com estrias brancas no ventre (Sick, 1997, Márquez, et al., 2005).


Figura 2 – Ilustrações de indivíduos de Morphnus guianensis, segundo o Guia de Aves do Brasil (2009) do autor Thomas Sigrist. Neste desenho podemos observar os diferentes pedrões apresentados pela espécie. Acima, o padrão mais comum pale-morph, o padrão melânico dark-morph e, o padrão negro-extremo extreme-dark-morph. Abaixo, dois padrões de filhotes, uma mais ou outro menos claro.

Distribuição e Conservação

O uiraçu-falso possui ampla distribuição, ocorrendo nas Américas Central e do Sul (Fergusson-Lees et al., 2001), entretanto os registros de sua presença no ambiente geralmente são ocasionais ou ocorrem de forma acidental.
Podemos apontar os seguintes países em que a espécie foi registrada, segundo o Global Raptors Info Network: - GRIN (2010):


México, Belize, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colombia, Equador, Bolívia, Peru, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Argentina e Paraguai.



Na primeira figura podemos observar os pontos coloridos onde a espécie foi observada e, na figura dois, o território na América do Sul onde a espécie é encontrada.

No Brasil, primitivamente a espécie encontrava-se distribuída do sul ao norte, nos biomas de Mata Atlântica e Amazônia, havendo atualmente e/ou históricamente registros da espécie nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Amazonas, Maranhão,  Amapá, Rondônia Roraima.

Assim como as informações sobre a distribuição, dados sobre a atividade reprodutiva, nidificação, área de vida e biologia alimentar de M. guianensis é muito escassa, sendo resumidas num total de quatro trabalhos: um no Brasil (Bierregaard, 1984), um na Guatemala (Whitacre et al., 2002), um no Panamá (Vargas et al., 2006) e o último na Peru (Raine, 2007).

Comportamento Reprodutivo
O trabalho mais completo sobre a atividade reprodutiva de M. guianensis é o de Bierregaard (1984). Este autor localizou um ninho próximo a Manaus, Brasil, numa reserva florestal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, na BR-174 (Amazonas-Roraima). Acompanhou um único ciclo reprodutivo da espécie, e o desenvolvimento de um filhote que, por fim sumiu do ninho, tendo sido provavelmente predado ou morto. Um fato interessante neste casal observado é de que a fêmea apresentava o “morfo” negro da espécie, enquanto o macho apresentava “morfo” claro. Este casal produziu dois filhotes.


Nesta foto, obtida pelo site do SORA, podemos ver o casal estudado por Bierregaard (1984), onde, o macho é claro e a fêmea apresenta plumagem escura.

 Há informaçoes em outros trabalhos, como em Whitacre et al. (2002) de um ninho encontrado no Parque Nacional de Tikal; no Peru, Raine (2007) reporta um ninho na Reserva de Tambopata, localizada a pouco mais de um Km de uma grande fazenda.       
A descrição dos ovos consta principalmente de ovos de aves em cativeiro (Kiff et al., 1989) e, Kreuger (1963) descreve um ovo de um casal na natureza.
Silva-Aguiar e Sanaiotti (com. pess., dados não publicados) acompanharam dois ciclos reprodutivos de um casal de M. guianensis próximos a Manaus, 30 Km distante do ninho estudado por Bierregaard (1985).    
      Outro trabalho relevante a ser citado é o de Vargas et al., (2006), que trata indiretamente do comportamento reprodutivo e do cuidado dos pais com o filhote. Neste trabalho, o autor relata o comportamento interespecífico de uma fêmea adulta de M. guianensis provendo alimento a um jovem de H. harpyja próxima a comunidade de Quintín, Darién, Panamá. Este comportamento já foi relatado para outros Accipitridae e Falconidae (Muszalski Shy, 1982), sendo relacionado com a perda da cria ou do ninho, ocorrendo a transferência do cuidado parental ou, o próprio estímulo do filhote de harpia “chamando” por comida aos pais.  



Relacionado a esse fato das duas espécies convivendo, Muniz-Lopes et al. (2008) comentam sobre o um ninho de Morphnus construído a aproximadamente 3 Km de um ninho de Harpia, e propõem não haver competição interespecífica por presas ou, exclusão competitiva entre estas duas espécies.

Área de Vida

Nada é sabido sobre a área de vida e o tamanho do território de M. guianensis. Acredita-se que não apresente padrões migratórios e seja geralmente sedentário (Fergusson-Lees & Christie, 2001).

Comportamento Alimentar







 Essa ilustração e outras, tão belas quanto, podem ser observadas no Blog do médico Geraldo de França Jr., de Piracicaba, em: http://birdsofbrazil.blogspot.com/  

Quanto à alimentação, a maioria dos relatos trata de pequenas notas de pesquisadores de outros grupos animais, que presenciaram ataques da ave sobre seus objetos de estudo. Podemos apontar presas, como: pequenos mamíferos e marsupiais, serpentes Colubridae e Boidae, um jupará (Potus flavus), um anfíbio anuro, além de um ataque, sem sucesso a um grupo de jacamins (Psophia creptans) (Bierregaard, 1984).
O “Programa de Conservação do Gavião-real” aponta: aves de rapina, serpentes e pequenos mamíferos.
Gilbert (2000) relata um Pithecia pithecia (parauacú) sendo predado
Vargas et al., (2006) quando cita a alimentação da harpia pelo uiraçu-falso, relata: duas serpentes, um sagüi (Saguinus geoffroyi), um esquilo (Scirurus sp.) e um filhote de preguiça de três dedos (Bradypus variegatus)
Pequenos macacos são itens freqüentes, como: Saimiri sciureus (Robinson 1994), Saguinus mystax e Saguinus fuscicollis (Oversluijs & Heymann, 2001).
Um jovem macaco-aranha Ateles paniscus, pouco maior do que os primatas anteriormente observados também servem como presa, como aponta Julliot (1994).
Trail (1987) observou também um ataque sem sucesso de uiraçu-falso sobre um lek de galo-da-serra (Rupicola rupicola).


Nesta fotografia podemos observar um pequeno marsupial trazido ao ninho por um dos pais para alimentar o filhote.

Vocalizações

O conhecimento sobre o repertório vocal de M. guianensis está restrito as descrições onomatopéicas de sua vocalização, sendo descrita como um youuu-ree, como um apito alto e estridente (Bierregaard, 1985), não havendo a descrição das freqüências sonoras utilizadas, assim como o comprimento das notas e sua taxa de repetição. Na imagem a seguir, podemos ver uma fêmea vocalizando próxima ao seu ninho. 



 *** A maioria destas informaçoes foram obtidas por meio de um levantamento bibliográfico, muito trabalho, e dedicação e, fazem parte do meu projeto atual de doutorado desenvolvido no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia.
Desta forma, para qualquer utilização, eu gostaria muito que você entrasse em contato comigo, inclusive para te passar as referencias bibliográficas que eu usei! ***